domingo, 20 de julho de 2014

Imagine recuperar tudo o que já foi pago!

Imagine recuperar tudo o que já foi pago!
O artigo A JUSTIÇA DECIDIU: compras internacionais abaixo de 100 Dólares NÃO PODEM ser tributadas, publicado no dia 30 de janeiro, certamente foi um dos textos de maior repercussão da história do BJC. O número de acessos foi tão grande que acabou tirando o site do ar temporariamente. A matéria foi linkada por diversos sites e bombou nas redes sociais.
Além disso, o tema suscitou diversas discussões pelas interwebs, com posições a favor (como este artigo publicado no site Consultor Jurídico) ou discordantes (como neste do Canal do Otário) do que foi exposto em nossa publicação. Fato natural em se tratando de um tema controverso.
A fim de aumentar ainda mais a qualidade do debate, estamos publicando um texto enviado gentilmente pelo professor de Direito Tributário (e leitor do BJC) Erinaldo Dantas. Nele, o professor não só confirma a ilegalidade da cobrança do impostocomo também dá a base legal para exigir a devolução dos valores pagos em juízo.Vamos lá:

Sobre as isenções, a Constituição estabelece que somente LEI pode tratar de isenções:
Art. 150. § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.
No Brasil, nós temos um Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece algumas regras para interpretação e integração da legislação tributária. Destacam-se os artigos 99 e 100:
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
Eles esclarecem que existe uma hierarquia entre a lei e os decretos e as chamadas normas complementares e que tais normas, hierarquicamente inferiores em nosso ordenamento jurídico, não podem inovar, apenas complementar o disposto no texto legal.
E quando esta norma tratar de isenções, a interpretação é literal; ou seja, não abre espaço para o Fisco usar uma interpretação restritiva para o contribuinte. Do CTN:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: (…)
II – outorga de isenção;
Pois bem, no caso temos um Decreto-Lei de 1980, de nº 1.804, que não foi revogado, conforme consulta ao site da Casa Civil. O decreto-lei era a medida provisória da época, que foi posteriormente substituído pela MP a partir da Constituição de 1988, e, apesar de ter sido expedido pelo Poder Executivo, foi recepcionado em nosso atual Ordenamento Jurídico com o status de LEI.
E esta lei é regulamentada por uma portaria (norma complementar) que não poderia inovar, por ser hierarquicamente inferior; tanto que o mencionado ato, Portaria do Ministro da Fazenda nº 156, de 1999, já inicia seu texto citando o Decreto-Lei nº 1.804/1980. Entretanto, seu texto claramente restringe a isenção contida no Decreto-Lei:
PORTARIA:
§ 2º Os bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.
DECRETO-LEI:
Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá: ( . . . )
II – dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas.
Ou seja: é flagrante a ilegalidade da Portaria, que violou norma hierarquicamente superior. E isto é pacífico nos Tribunais, vejam este julgado do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCENTIVOS FISCAIS: CRÉDITO-PRÊMIO: SUSPENSÃO MEDIANTE PORTARIA. DELEGAÇÃO INCONSTITUCIONAL. D.L. 491, de 1969, arts. 1º e 5º; D.L. 1.724, de 1979, art. 1º; D.L. 1.894, de 1981, art. 3º, inc. I. C.F./1967.
I. – Inconstitucionalidade, no art. 1º do D.L. 1.724/79, da expressão “ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir”, e, no inciso I do art. 3º do D.L. 1.894/81, inconstitucionalidade das expressões “reduzi-los” e “suspendê-los ou extingui-los”. Caso em que se tem delegação proibida: C.F./67, art. 6º. Ademais, matérias reservadas à lei não podem ser revogadas por ato normativo secundário. II. – R.E. conhecido, porém não provido (letra b). (RE 180828/RS Relator: Min. CARLOS VELLOSO Julgamento: 14/03/2002 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 14-03-2003 PP-00028) Grifei.
Verifica-se que, desde a Portaria nº 703, de 28 de dezembro de 1994, já consta esta restrição indevida; não conseguimos neste pouco tempo descobrir quais normas ainda mais antigas já registravam esta ilegalidade.
Enfim, o que recomendamos é o ajuizamento de ação declaratória cumulada com repetição de indébito em Juizado Federal, com um pedido de restituição dos valores pagos nos últimos 5 anos e uma declaração para as importações futuras. Não há a necessidade de advogado, mas é extremamente recomendável, pois do outro lado estará uma Procuradoria Federal que poderá ganhar o caso por questões técnicas e/ou processuais.

A título de complementação, sabemos que em alguns estados, além do Imposto de Importação, também incide o ICMS nas compras feitas no exterior. Entretanto, existe a possibilidade da cobrança deste imposto também ser indevida para pessoas físicas que sejam o destino final da compra. O artigo publicado no ConJur explica o que ocorre.
Em redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, o artigo 155 da Constituição Federal (que trata dos impostos estaduais), parágrafo 2º, inciso IX, informa que (o grifo é nosso) :
a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;
Entretanto, no próprio artigo 155, parágrafo 2º, inciso II, lemos que:§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte (mais uma vez, o grifo é nosso):
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
não-cumulatividade de impostos visa evitar a tributação em cascata, compensando o valor recolhido em uma etapa posterior. Entretanto, no caso do ICMS, somente o contribuinte habitual do imposto consegue receber esta compensação. Portanto, o deliberado no inciso IX contraria o disposto no inciso II. Somente uma Emenda Constitucional poderia consertar esta bagunça de forma definitiva.
Porém, a favor da isenção, temos a Súmula 660 do STF, onde se lê que:
Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.
Portanto, é possível entrar com ação no Juizado Especial da Fazenda Pública do seu estado para requerer a isenção do ICMS nas compras internacionais feitas por não-contribuintes deste imposto. O cidadão não pode ser penalizado pela incompetência do legislador.
Esperamos que essas novas informações permitam aos nossos leitores exercerem seus direitos com mais segurança ainda.
Fonte: 
http://bjc.uol.com.br/2014/02/11/tributarista-afirma-impostos-pagos-em-encomendas-internacionais-nos-ultimos-5-anos-podem-ser-restituidos/

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