Essa deu vergonha seu leão!
Já publicamos dois artigos a respeito do assunto “isenção de impostos nas compras internacionais abaixo de 100 dólares” e a repercussão foi muito além do esperado. Agora finalmente a Receita Federal quebrou o silêncio e se pronunciou a respeito do tema.
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Em publicação denominada
Nota técnica: Limite de isenção em remessas de pequeno valor, a RF reforça o status quo, afirma que está agindo de forma correta e visivelmente tenta puxar a sardinha para seu próprio lado, inclusive se utilizando de argumentos ultrapassados no que tange a economia em um mundo globalizado. Analisaremos então cada um dos pontos abordados no texto, fornecendo a contra-argumentação necessária a cada caso:
A Subsecretaria de Tributação e Contencioso (Sutri) e a Subsecretaria de Aduana e Relações Internacionais (Suari) informam que notícias recentemente veiculadas na mídia sobre a suposta isenção do Imposto de Importação de bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos baseiam-se em decisões judiciais isoladas e sem efeito vinculante sobre a Administração Tributária.
Ok, ainda não existe
efeito vinculante (até porque a questão ainda não foi julgada pelo STF); porém, já existe
jurisprudência (pois há mais de uma decisão a favor do consumidor). Isto só reforça o fato de que
devemos exigir que se cumpra a lei, nem que seja preciso entrar com ação no Judiciário.
A tese acatada naquelas decisões, de que a autoridade administrativa, ao fixar o valor de isenção em US$ 50,00, haveria restringido o alcance da lei, não se coaduna com a literalidade do art. 2º do Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, que determina:
“Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:
(…)
II – dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas. (Redação dada pela Lei nº 8.383, de 1991)”
Essa é uma interpretação equivocada da Receita Federal a respeito do tema. O professor Erinaldo Dantas mais uma vez nos auxilia nesta questão, informando que se fosse para dar poder que a RF afirma possuir, a redação do DL 1804 deveria ser:
II – dispor em até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor quando destinados a pessoas físicas.
Pelo texto original, o Ministério da Fazenda somente poderia dispor sobre como a isenção de 100 dólares deve ser operacionalizada, nada além disso.
No uso das competências atribuídas pelo referido dispositivo, o Ministro da Fazenda editou a Portaria MF nº 156, de 24 de junho de 1999, que dispõe, no § 2º do art. 1º, que “os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50,00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.”
Dessa forma, o que fez o Decreto 1.804/80 foi delegar ao Ministro da Fazenda a faculdade de dispor sobre a isenção em remessas entre pessoas físicas da maneira que melhor convier aos interesses da Fazenda Nacional e da economia do país. Ao fixar o valor em US$ 50,00, respeitou-se o teto estabelecido pela Lei, que é de cem dólares dos Estados Unidos da América ou o equivalente em outra moeda, o qual não deve ser confundido com o valor da própria isenção.
Conforme já falamos em
artigo anterior, tendo a lei definido a isenção para valores abaixo de 100 dólares, uma portaria ou instrução normativa não pode se sobrepor à lei, nem interpretar não-literalmente o texto da lei, tampouco inovar o descrito na lei. Portanto, incluir restrições não previstas no Decreto-Lei como o teto de US$ 50 ou a obrigatoriedade do remetente ser pessoa física é ILEGAL.
Vamos partir agora para as argumentações de cunho político (e não técnico) abordadas pela Receita Federal em sua “”"nota técnica”"”:
Ressalte-se que os critérios para a fixação desse limite levam em conta diferentes fatores, dentre os quais destacam-se:
Agora começam as falácias.
- o volume de mercadorias desembaraçadas nessa condição e o consequente impacto dessa entrada na economia nacional;
Existe sim uma tendência das importações por pessoas físicas aumentarem cada vez mais. Porém, ao invés da Receita se adequar aos novos tempos, prefere prejudicar o contribuinte brasileiro.
E mais: a RF finalmente está afirmando com todas as letras o que todos já sabemos:estão se utilizando da tributação como mecanismo protecionista. Além do desrespeito ao Decreto-Lei, o aumento do IOF para compras no exterior, a alíquota absurda de 60% no Imposto de Importação e a cobrança de valores muito acima do exigível também são as provas deste fato.
O Brasil já é a
10ª economia mais protecionista do mundo, restringiu as importações por muitos anos (como no caso da famigerada reserva de mercado para produtos de informática) e só prejudicou a indústria nacional, que segue sendo pouco competitiva. Protecionismo não é a solução para os problemas brasileiros.
- a concorrência que esses produtos exercem sobre os produtores nacionais de mercadorias similares, que pagam regularmente seus tributos;
Isso é absurdo! Primeiro, porque grande parte do que nós importamos sequer existe em nosso mercado. São jogos de videogame (nenhum é produzido no Brasil), filmes e séries jamais lançados em nosso país e edições exclusivas que não possuem equivalente no mercado nacional. Sem falar que cinema e música são itens culturais (tanto quanto livros e revistas, que já são isentos de imposto), cujo acesso ao público deveria ser facilitado, e não dificultado.
Querem ajudar os produtores nacionais? Então que se faça a reforma tributária e permita que eles paguem menos impostos, baixem os preços e possibilite aos menos favorecidos o acesso aos produtos de consumo da “elite”. É o que o suposto “governo do povo” deveria fazer, não é?
- o impacto dessa renúncia na arrecadação;
É piada mesmo! O Governo Federal
bate sucessivos recordes de arrecadação e se preocupa com perdas? Ah, sim, tem gente demais mamando nas tetas, os partidos precisam trocar cargos por votos para governar e os desvios de dinheiro público impactam demais no orçamento da União. Enxugar cargos? Eficiência na administração? Pra quê isso, né?
- o custo de fiscalização e cobrança de tributos sobre cada volume.
Ao contrário. Aplicando-se a lei corretamente, a operação da RF é facilitada, não dificultada. Ao verificar que um pacote possui valor declarado abaixo de US$ 100 e é destinado a pessoa física, o trabalho do fiscal está encerrado (ou nem mesmo é exigido, se for feita uma triagem nos pacotes). A isenção também evita que ocorram pedidos de revisão, diminuindo o volume de trabalho dos fiscais. Assim, a RF pode se focar nos pacotes de valores mais altos, inclusive aumentando o valor arrecadado no processo de fiscalização.
Portanto, não resta dúvida de que a regulamentação dessa isenção por parte do MF é dotada de perfeita legalidade e legitimidade. Trata-se, ainda, de medida necessária e importante na prevenção da concorrência desleal, proteção e regulação da economia nacional.
Como já demonstramos, a regulamentação da isenção feita pela Receita Federal desrespeita a lei, restringe o acesso da população a produtos não fabricados no país, não protege a economia nacional e só aumenta a sanha arrecadatória de um governo que administra mal, gasta mal e investe mal. O resto é só prosopopeia flácida para acalentar bovinos.
Portanto, não caia neste papo furado. Enquanto a lei não for mudada, ela deve ser cumprida. Exija os seus direitos!
E se você não acredita que pedir revisão ou entrar na Justiça dará certo, é simples: na próxima vez que chegar o famigerado aviso de tributação, é só ir lá e pagar. Assim, você está prevenindo a concorrência desleal e protegendo a economia nacional, não é mesmo?